Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia....
**Fernando Pessoa**
Belíssimo poema filosófico de Fernando Pessoa, desmistificando o próprio mito.
Nas palavras do professor Junito de Souza Brandão, "Eros é o amor personificado; Psiquê é igualmente a alma personificada. Através do aperfeiçoamento de sua feminilidade e de seu amor, a 'bela adormecida' evoca a perfeita masculinidade de Eros. Abandonando-se ao amor, ela recebe, sem o adivinhar, a redenção através do amor. O arrebatamento de Psiquê, da Terra ao Céu, e sobretudo suas núpcias com Eros, vistas sob o ponto de vista feminino, significam que a faculdade de amar da alma individual é divina e que a transformação pelo amor é um mistério que deifica. Fernando Pessoa, num poema lindíssimo, Eros e Psiquê, compreendeu, com a sensibilidade e a profundidade que lhe são peculiares, a extensão desse amor-consumação, em que Eros, buscando a Psiquê, acaba descobrindo que ele é a própria Psiquê, transfigurada em Amor..."
Eros busca Hera, porém, a Psiquê era o caminho. Psiquê em grego é definido como sendo pensamento ou espírito. Portanto, esta memória do espírito é quem estava adormecida. Quando consegue resgatar a sua memória ou pensamento como espírito, percebe então que ele era a própria Psiquê. Bem, ele assim considerou, ao recuperar a memória adormecida.
Refletindo: Somos o que pensamos?! Vivemos adormecidos em nós mesmos?!
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